R$ 230 bi para crescer mais
 
22/08/2006
VITÓRIA - O Brasil terá que investir aproximadamente R$ 230 bilhões em infra-estrutura nos próximos quatro anos, ou R$ 57,3 bilhões por ano, se realmente quiser crescer a taxas anuais de 5% (ou mais), como vem prometendo a atual equipe econômica do governo, liderada pelo sempre otimista ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para efeito de comparação, vale lembrar que ao fim de seu mandato, em dezembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá gastado R$ 100 bilhões em programas sociais – Bolsa-Família à frente. Outro dado: em 2005, o país consumiu cerca de R$ 150 bilhões só com pagamento dos juros da dívida pública. O montante de R$ 230 bilhões, calculado pela Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib), é o volume necessário para revitalizar os setores de energia elétrica (R$ 13,5 bilhões/ano), petróleo e gás (R$ 25 bilhões), transportes e logística (R$ 7 bilhões), telecomunicações (R$ 4,9 bilhões) e saneamento básico (R$ 6,8 bilhões), considerados gargalos para o desenvolvimento. Estradas esburacas, portos congestionados e ameaça de apagões tornaram-se entraves quase intransponíveis para o desenvolvimento econômico e social do país, apesar de ainda não terem entrado na agenda dos atuais candidatos à Presidência da República. É simples: sem infra-estrutura, o Brasil não consegue crescer. E não pode sequer pensar em reduzir os juros reais da economia, hoje em 10,74% ao ano (Selic de 14,74% menos IPCA de 4%), para 5% ou 6%, como também já prometeu Mantega. A equação é básica: se os juros reais caíssem para 5% ao ano, a economia começaria a crescer a taxas elevadíssimas, sobretudo nos setores de crédito e consumo. “A economia explodiria”, compara o economista Carlos Eduardo Stempniewski, professor das Faculdades Rio Branco. O crescimento, contudo, esbarraria na ausência de infra-estrutura adequada e travaria a produção industrial. Sem produção suficiente, o país teria inflação de demanda, jogando por terra todo o esforço monetário feito nos últimos 12 anos. “Para se equilibrar um aumento de demanda só existem duas formas: ou se eleva a oferta ou se aumentam os preços”, explica o economista Humberto Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor do Ibmec-MG. Carência - “A infra-estrutura atual não permite que o Brasil cresça. Só não tivemos ainda apagões de energia ou de estradas porque o país está crescendo a taxas muito baixas. Precisamos desatar esses nós”, diz Adriano Pires, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). Em 2005, o Produto Interno Brasileiro (PIB) cresceu só 2,3%. “Vivemos num modelo esquizofrênico, onde queremos que o país cresça com empregos e renda, mas ao mesmo tempo temos medo de crescer muito, por falta de energia, estradas e portos”, diz. “Sem solucionar os gargalos da infra-estrutura, não há como ter juros reais abaixo de 8% ou 8,5% ao ano, nem como crescer acima de 3,5% ou 4%”, concorda o economista Flávio Barbosa, professor de economia da PUC-MG. Segundo Barbosa, apenas o setor de telecomunicações, completamente privatizado nos últimos anos, seria capaz de responder de forma eficiente a um rápido aumento de demanda. Mas setores fundamentais, como energia e siderurgia, teriam problemas. “A indústria de base ainda tem certa ociosidade e poderia produção mais, mas não há como ter rápido crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) com tantas carências na infra-estrutura”, reforça Rinaldo Campos Soares, presidente da Usiminas. “Sem infra-estrutura, estaremos condenados a baixas taxas de crescimento. Seremos o país do vôo da galinha”, diz Barbosa. Análise da notícia - Existem duas chaves para o crescimento econômico do Brasil: redução de despesas correntes do governo, cada vez mais inchadas, e investimentos em infra-estrutura. Sem elas, o país não cresce. Sem elas, os juros não podem cair. Até agora, ambas têm passado em branco pelos atuais candidatos à Presidência, mais preocupados em discutir questões periféricas. Se não forem tratadas com seriedade, o preço será alto – e mais uma vez o Brasil vai perder o bonde da história. Dessa vez, de forma definitiva. (Paulo Paiva) Investidor sem estímulo - Quando o assunto é infra-estrutura, o Brasil está atrasado mesmo em relação a outros países emergentes. Segundo dados da Confederação Nacional de Transportes (CNT), a malha ferroviária nacional abriga só 28 mil quilômetros. A China, potência mundial emergente, tem 70 mil quilômetros de ferrovias. Nos Estados Unidos, esse número é de 307 mil. Outro exemplo: a rede de distribuição de gás natural no Brasil é formada por 8 mil quilômetros de gasodutos. Na vizinha Argentina, são 100 mil quilômetros. Mais: ainda segundo a CNT, cerca de 75% das rodovias brasileiras são deficientes e provocam redução média de 40% na velocidade dos caminhões. Os 10 melhores trechos rodoviários do país estão em São Paulo, sob controle privado. Essa, por sinal, é uma questão que intriga especialistas. No governo Lula, a privatização da infra-estrutura foi “ideologizada” sob a ótica da esquerda – ou seja, privatizar não é bom para o país. “A questão da infra-estrutura não pode ser ideologizada. O governo Lula atacou as agências reguladoras e destruiu os marcos regulatórios, afastando a iniciativa privada”, diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). “Para investir em infra-estrutura, o dono do dinheiro tem que acreditar no país”, completa. A questão energética é um exemplo. O governo nega de pés juntos que exista a possibilidade de novos apagões no país. Os especialistas, contudo, garantem que o apagão pode mostrar a cara novamente até 2008. A “ideologização” da visão sobre infra-estrutura estaria fazendo com que, nos leilões de energia, o preço das tarifas, considerado baixo, afastasse a iniciativa privada. “Hoje, o preço não é atrativo”, diz Luiz Fernando Rolla, superintendente de Relações com Investidores da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). (PP) Foco no gasto público - A condição sine qua non para o crescimento do Brasil é a redução dos gastos públicos. Sem isso, não há como investir em infra-estrutura ou pensar em redução de juros. A opinião é do economista Paulo Rabello de Castro, chairman da SR Rating e presidente da RC Consultores. “O verdadeiro gargalo brasileiro é o gasto público. Não podemos continuar enrolando nesse assunto. A população está cansada disso”, destaca. Para Rabello, o Brasil poderia crescer a taxas equivalentes às dos demais países emergentes, entre 6% a 8% anuais, se o governo reduzisse os gastos correntes e investisse mais em áreas como energia e portos. Apenas este ano, as despesas correntes do governo (pessoal, encargos e programas sociais) aumentaram 14%. “São gastos de consumo, e é um dinheiro que não retorna. Essa é a grande enganação do governo Lula”, frisa o economista. “Antigamente, era o Sílvio Santos quem distribuía dinheiro. Agora é o Lula”, ironiza o economista Carlos Eduardo Stempniewski, das Faculdades Rio Branco. “O Bolsa-Família é um dinheiro dado, que não volta. Antigamente, os governos abriam frentes de trabalho para ajudar a população mais pobre. Agora, prefere doar dinheiro”, completa. De fato, os benefícios assistencialistas respondem hoje a mais de 21,4% dos gastos não-financeiros da União. Eram 3,1% há duas décadas. Em compensação, os investimentos diretos caíram, no mesmo período, de 16% para apenas 3%. Dados da LCA Consultores mostram que, em 2005, a taxa de investimentos no Brasil respondeu a 20% do PIB. Para se conseguir um crescimento de 5% na economia sem gerar pressões inflacionárias, esse percentual teria que ser, no mínimo, de 24%. Isso significaria uma injeção de R$ 84 bilhões anuais na economia (calculado sobre um PIB estimado de R$ 2,1 trilhões em 2006) – bem menos que o governo gasta com os programas sociais. Fonte: A Gazeta 22/8/2006